EDP e autarquias prometem exclusividade a Mário Ferreira no vale do Tua

Quem quer ficar com um vale e uma linha de caminho-de-ferro para explorar? A pergunta que a EDP e a Agência para o Desenvolvimento Regional do Vale do Tua (ADRVT) fizeram durante meses a vários operadores turísticos não teve resposta. Em 27 de Julho do ano passado, foi lançado um concurso público para a concessão da exploração do Sistema de Mobilidade do Tua que ficou deserto e não apenas por se ter desenrolado no auge das férias, durante o mês de Agosto.
O que estava inscrito no caderno de encargos afastou todos os interessados: a EDP avançava com 10 milhões de euros para um plano que custava 30 milhões, em parte comparticipáveis pelo acesso a fundos comunitários. Aflita por não poder cumprir a componente essencial das contrapartidas da barragem, a EDP foi à procura de um salvador. Encontrou-o no maior operador do turismo fluvial do Douro, o empresário Mário Ferreira.

O dono da Douro Azul e do grupo Mystic River explica em duas frases a razão do fracasso do concurso do ano passado: “Só tinha deveres, não tinha direitos”. O ajuste directo que fez com a EDP e com a agência, assinado em Fevereiro deste ano na sequência de um protocolo celebrado em Setembro de 2015, tem deveres, mas também tem muitos direitos. Na prática, a EDP, que teve de dar mais um milhão de euros para lá dos dez prometidos, financia com 1,4 milhões de euros a construção de cais e fluvinas, dá 1,5 milhões para a reabilitação da linha férrea entre Mirandela e Brunheda (onde atracam os barcos que fazem a ligação ao cais da barragem), investe 2,1 milhões em parques e acessos, um milhão na reabilitação de apeadeiros, três milhões na aquisição de um comboio que terá a imagem de antigamente e um milhão num barco rabelo de ferro e aço. Mário Ferreira assume o risco de “ter de aguentar a operação”, o que lhe pode trazer prejuízos nos primeiros “três ou quatro anos”. O negócio pode envolver investimentos próprios até cinco milhões de euros, diz o empresário.
Para que os riscos sejam mínimos, o contrato estabelece que em caso de incumprimento de prazos não haverá lugar a indemnizações – nesse cenário, as partes “devem definir, por consenso, novas datas-chave”. E fala de situações de exclusividade. “A EDP Produção e a ADVRT desenvolverão os melhores esforços no sentido de apoiar o operador a obter, junto das entidades competentes, a exclusividade na exploração turística do Sistema de Mobilidade”, lê-se no contrato.

Um contrato "justo", diz Mário Ferreira

Ao nível da linha férrea, essa situação está garantida. Uma resolução do Conselho de Ministros de 30 de Agosto desclassificou a linha do Tua da rede ferroviária nacional e determinou que a sua exploração “seja efectuada pelo operador que, no âmbito do projecto de mobilidade aprovado e em cooperação com as autarquias locais, se proponha fazê-lo”.
Mais duvidosa é a liberdade de circulação nas águas da albufeira. Se um operador local quiser obter licenças para o transporte turístico pode fazê-lo? Mário Ferreira lembra que o que está em causa é uma concessão. “Se quem está a pagar somos nós, é justo que haja exclusividade”, diz. José Silvano, deputado do PSD e ex-presidente da Câmara de Mirandela admite que possa haver pequenos investimentos no turismo, desde que devidamente autorizados pela ADRVT, agência na qual a EDP tem 49% dos votos. Fernando Barros, actual presidente da agência, nota que a promessa de exclusividade “é fruto de uma negociação” complicada para a EDP e para a agência. “Compreendo que a posição de quem negociou tenha sido a de fazer tudo para não deixar fugir o novo operador”, nota o autarca de Vila Flor. Resta saber se será legal limitar a operadores o acesso a infra-estruturas que nascem de uma contrapartida pública.
Para lá de estar numa situação de força na negociação da mobilidade turística, Mário Ferreira usou o mesmo poder para se prevenir dos riscos associados à mobilidade quotidiana. No contrato de Fevereiro, o empresário diz-se “disponível para assumir a exploração e operação da componente de mobilidade quotidiana, nos termos a definir entre as partes”.